segunda-feira, 22 de junho de 2009

“O que aprendi com a leucemia”

Há dois meses, Victor Siaulys enviou um e-mail a amigos e funcionários do laboratório Aché. O texto, elaborado durante internações no hospital, expõe as reflexões do empresário sobre a vida e sobre o câncer. A seguir, algumas passagens marcantes.

1 O JOGO DA VIDA

“Nesses últimos tempos, em decorrência do estado físico e do tratamento a que venho sendo submetido, meu esporte favorito tem sido o jogo de cartas. Ele tem alguns méritos, como o de ampliar meu convívio familiar e poder contar com a presença indispensável dos amigos. O jogo é o velho e prosaico buraco. Quem o pratica, sabe que há sempre uma pequena lógica no número de cartas e naipes, o que pode orientar a sua forma de jogar e competir com o azar. Lição aprendida no jogo: a cada um de nós, no jogo ou na vida, qualquer que seja o momento, cabe decidir de que forma iremos jogar com as cartas que nos foram dadas pelo destino. Elas não podem ser mudadas, temos de tirar partido daquilo que temos em mãos.”

2 A VIDA NO AMBULATÓRIO

“Por algumas semanas, tive de freqüentar o ambulatório de oncologia do hospital. Meu relacionamento com a recepcionista e a atendente, já nos primeiros minutos, quebrava o gelo da ante-sala de atendimentos. Tudo era levado na “gozação”, seja pedindo para que fosse trocada a cor da minha pulseira para combinar com a cor dos meus olhos, seja agradecendo à gentil voluntária que me oferecia abono no estacionamento, dizendo a ela que agradecia, mas tinha vindo de metrô. Entrando na área de atendimento, o rebuliço que eu promovia era, no mínimo, inusitado. Alguma coisa eu precisava mudar naquele asséptico, comportado e discreto ambiente de tratamento de portadores de câncer. Com isso, a cada retorno, sentia estar com pessoas de minha família. Sentado em minha baia, aguardando escorrer, gota a gota, a bolsa de plaquetas ou o medicamento conectado ao meu cateter, procurava observar o comportamento daqueles que circulavam pela ‘Via Dolorosa’ do ambulatório. Numa das baias vizinhas, encontramos, algumas vezes, um senhor que consumia seu tempo queixando-se amargamente de tudo: do atendimento, de sua família e de seu filho, pelo abandono a que tinha sido relegado. Pelo que sabemos, tinha sido uma pessoa muito rica e poderosa, mas que construíra uma vida familiar desastrada. Certo dia, minha filha dirigiu-se à sua baia e ofereceu-lhe chocolates. A reação foi de choro e comoção. Lição aprendida: morrer não dói. O que dói é viver uma vida infeliz. Abandonado pela família e pelos amigos, o ser humano vai perdendo progressivamente o amor pela vida.”

3 POR QUE ISSO ACONTECEU COMIGO?

“Vivemos com muita pressa, sempre no piloto automático, e muito distraídos para poder observar as pequenas coisas do nosso cotidiano. Muitas vezes precisamos de um sinal de alarme para desligar o piloto automático e assumir a direção de nossas vidas. Uma perda, um trauma, uma doença podem ser o sinal de alarme que nos permita viver melhor. Ou, quem sabe, até reaprender a viver. O sinal de alarme é a carta do baralho indesejada em nossas mãos que pode, à primeira vista, parecer ingrata e dolorosa, mas, feliz ou infelizmente, ela faz parte do jogo de nossa vida. E é com ela que temos de jogar. Não podemos descartá-la, pois ela é parte do nosso sagrado programa genético. A sabedoria oriental nos ensina que todo infortúnio é colocado na vida por uma providência divina. Para nos mostrar como somos vulneráveis. Cabe a nós aprender a transformar a tragédia em algo de positivo para nossas vidas. Não podemos jamais olhá-la apenas pelo lado pessimista.”

4 A CONSCIÊNCIA DA MORTE

“O ser humano é o único animal que tem a consciência da própria morte e, por isso, vive atormentado pelo seu mistério. Será que não existe nada além, na nossa vida, do que comer, trabalhar, dormir e gerar filhos? Será que a nossa vida não significa alguma coisa? Você pode atingir os níveis mais altos de sua carreira profissional, ter o carro que sempre fora o seu objeto de desejo, o apartamento de cobertura com a maior área útil em metros quadrados e tudo que o dinheiro pode comprar. Mas a pergunta é: por que a gente, tendo tudo que achava necessário para ser absolutamente feliz, sempre acha que falta alguma coisa? O que posso esperar da minha vida nesta altura do jogo? No meu caso, em particular, não espero nada mais. Em compensação, vou procurar dar razão de viver a cada novo momento. “Deletando” o passado e pouco me importando com o futuro, quero viver cada minuto como se fosse o último.”

5 O JOGO DO CONTENTE

“A escritora americana Eleanor Porter criou, no início do século passado, a personagem Poliana, uma criança que buscava de todas as formas ensinar a todo mundo o seu ‘jogo do contente’. Quando passamos a valorizar cada momento de nossa existência e jogamos o jogo do contente da menina Poliana, nossa vida passa a ter um significado diferente. Nos pequenos gestos de bondade e de carinho com as enfermeiras, com os atendentes, com o pessoal da limpeza, a vida fica mais fácil de ser assimilada, ainda que num quarto de hospital. Devemos lembrar que aqueles solícitos atendentes passam suas horas de trabalho ouvindo queixas de dor e desconforto. Eles precisam de palavras de carinho, precisamos abrir seus sorrisos, aquecer seus corações. Bastam algumas gotas de Poliana para encarar a estadia no hospital não como uma tragédia e, sim, como uma rica experiência humana.”

Época Negócios

Nenhum comentário: